A inveja é um mecanismo de defesa, uma fuga para evitar um confronto no qual nos sentimos perdedores, em que nos vemos derrotados. O invejoso olha com suspeita todos aqueles que aparecem, que emergem, todos aqueles que fazem algo de bom ou belo. Avalia-os, troça deles, ofende-os, difama-os. Assim não é obrigado a medir-se com eles. Refugia-se na maledicência.
Uma maneira de vencer a inveja é decidir fazer exactamente o contrário. Também aqui encontramos a coragem e na sua forma mais simples, directa, como virtude do início. Vencer a nossa repugnância e olhar atentamente para aqueles que são melhores do que nós, para aceitar o desafio que eles nos lançam com o seu exemplo. Escolher o caminho da emulação, sem a absurda pretensão de chegar rapidamente ao cimo, de conquistar o primeiro lugar. Porque isto é desconsideração, arrogância, soberba. Aceitar o desafio significa em primeiro lugar pôr os objectivos possíveis, que sejam alcançáveis. O desporto não pede a todos que vençam os outros nas Olimpíadas, mas que compitam, que façam o melhor. Cada qual na sua categoria, cada qual dentro das suas possibilidades.
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A inveja é um estratagema para nos subtrairmos ao confronto, para conservar o nosso valor sem esforço, sem arriscar, bem protegidos, em local seguro. Rodeando-nos de uma rede protectora de mentiras, intoxicando o ambiente exterior com o gás venenoso da maledicência. Para vencermos devemos sair para campo aberto, expormo-nos ao risco, olhar finalmente a face do inimigo. Admitir depois que se trata realmente de um inimigo e não, ao contrário, de um conjunto de fantasmas gerados pelo medo.
Na competição somos obrigados a tornarmo-nos vigilantes, atentos, a modelarmo-nos no mundo exterior, a colher as suas mais pequenas vibrações. E, ao fazê-lo, deixamos de estar obececados por nós próprios e pelo insolúvel problema do nosso valor.
A inveja é uma obstrução do ímpeto vital, um vórtice que absorve as nossas energias. Para dela sairmos devemos trazer o movimento interior para o exterior, do fechado para o aberto, da conservação para o dispêndio, do medo para a coragem. Tudo isto não é mais do que mergulhar de novo no ímpeto da vida. A vida que corre em frente feliz, serena, ávida, ainda não regida por resultados, por fórmulas, por objectivos a conservar.
O invejoso mente. Mente a si próprio quando desvaloriza a pessoa que admira, mente aos outros para esconder a sua inveja, para parecer desinteressado, objectivo.
Mentira e má-fé constituem uma rede em que fica enredado, da qual não consegue sair. A libertação exige que despedasse esta rede, que comece a ver a inveja em si p´roprio, dizendo a si próprio claramente: <<Sim, sou invejoso, aquilo que digo e penso é provocado pela inveja.>>
O invejoso é um batoteiro que não admite sê-lo, enquanto acusa todos os outros de fazerem batota. Se reconhecer que o faz, pelo menos já não se pode indignar com eles, já não pode fazer de moralista.
O trabalho do invejoso, como vimos, falha porque não está seguro de si próprio. Procura convencer-se e convencer os outros, mas a dúvida volta. A má-fé é uma estratégia para fazer calar a dúvida.
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Quem admite que é invejoso e, por isso, que mente, já em grande parte pôs em causa o trabalho da inveja. E pode experimentar um profundo sentimento de alívio por não ter de continuar um jogo aviltante.
É certamente, porém, muito mais difícil adminitr a nossa inveja perante os outros. Porque isto equivale a dizer: <<Olhai que eu sou um mentiroso, que quando emito um juízo não sou objectivo, mas engano-vos.>> Uma confissão dura, heróica, que é difícil de conciliar mesmo que, talvez, em alguns casos fosse de salutar.
Aquilo que, pelo contrário, não serve, é antes prejudicial, é explicar a sua própria inveja, encontrar-lhe uma motivação. (…) Porque qualquer explicação é uma legitimação.